Pesquisa RADAR: Preocupação com inflação e custo de vida permane alta entre brasileiros em 2025

A inflação e o aumento do custo de vida continuam sendo preocupação do brasileiro no primeiro semestre de 2025, mas ocorreu uma melhora nas expectativas em relação ao levantamento anterior, de março. A percepção de que os preços estão em elevação, que atingiu um pico de 89% em março, caiu para 83% em junho. A percepção de que os preços continuam aumentando é generalizada em todos os segmentos, mas as mulheres são as que mais percebem o aumento de preços (85%) contra 80% dos homens.


07/07/2025 – Ao mesmo tempo, Pesquisa RADAR FEBRABAN/IPESPE também mostra que sete em cada dez brasileiros dizem-se satisfeitos com a vida pessoal, mantendo patamar dos últimos levantamentos

A inflação e o aumento do custo de vida continuam sendo preocupação do brasileiro no primeiro semestre de 2025, mas ocorreu uma melhora nas expectativas em relação ao levantamento anterior, de março. A percepção de que os preços estão em elevação, que atingiu um pico de 89% em março, caiu para 83% em junho. A percepção de que os preços continuam aumentando é generalizada em todos os segmentos, mas as mulheres são as que mais percebem o aumento de preços (85%) contra 80% dos homens.

A maior parte dos brasileiros (75%) também avalia que os preços altos estão impactando seu poder de compra de alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico. Esses são os itens em primeiro lugar na avaliação dos entrevistados. Em segundo lugar permanece o preço dos combustíveis (30%), seguido pelos gastos com saúde e medicamentos (28%).

Os dados são revelados pela nova edição da Pesquisa RADAR FEBRABAN, realizada entre os dias 12 a 20 de junho de 2025 com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País. A pesquisa também apurou as opiniões de cada uma das cinco regiões brasileiras e avaliou temas como expectativas do brasileiro sobre o país e sua vida pessoal, além de suas aspirações de consumo.

O levantamento mostra que, ao mesmo tempo, a percepção com relação à vida pessoal e familiar se mostra praticamente estável em comparação aos levantamentos anteriores, e chegou a 70% de respostas para “satisfeito” ou “muito satisfeito”.

No balanço do primeiro semestre de 2025, a percepção sobre a evolução da vida pessoal e familiar também é positiva. Segundo a pesquisa, 78% dos brasileiros avaliam que sua vida pessoal e familiar ou melhorou (40%) ou ficou igual (38%). Por outro lado, a percepção de piora, que era de 19% em março, variou três pontos e agora é 22%.

“Um conjunto de notícias negativas nos últimos meses continua afetando o humor da população. Neste segundo trimestre tivemos aumento da taxa básica de juros para 15%, os descontos indevidos nas contas dos aposentados, o crédito ficou mais caro, houve alta na energia elétrica e nos custos de habitação”, aponta o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

A Pesquisa RADAR FEBRABAN é realizada trimestralmente pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE) e mapeia a percepção e expectativa da sociedade sobre a vida, aspectos da economia e prioridades para o país.

A íntegra do levantamento de junho de 2025 do RADAR FEBRABAN, pesquisa FEBRABAN News-IPESPE pode ser acessada neste link – Radar Febraban/IPESPE Junho 2025.

Seguem mais resultados do levantamento:


BALANÇO PESSOAL E FAMILIAR

Sete em cada dez (70%) dizem-se muito satisfeitos ou satisfeitos em relação a sua vida pessoal;
O contingente insatisfeito variou de 13% para 15%;
78% avaliam que sua vida pessoal e familiar nos seis primeiros meses do ano ou melhorou (40%) ou ficou igual (38%);
63% acreditam que sua vida e de sua família vai melhorar no segundo semestre de 2025;
38% não observaram mudança em sua vida privada no decorrer do ano;
11% vislumbram uma piora na vida pessoal e familiar, com poucas variações ao longo da série histórica.

VISÃO DO PAÍS EM 2025

Recuo de 2 pontos na avaliação de que o país melhorou em 2025, indo de 35% para 33%, menor percentual da série histórica. ​​
Percepção de piora do país oscilou de 34% para 38%, também maior percentual da série. ​
​Para 28% o país nem melhorou nem piorou nesses seis primeiros meses do ano. Em março, a percepção de estabilidade era de 29%.
67% acreditam que em 2025 o Brasil irá melhorar (40%) ou ficar como está (27%).
Houve recuo na expectativa de melhora (de 45% para 40%) e acréscimo na projeção de estabilidade (de 23% para 27%).
Expectativa de piora aumenta (de 30% para 32%).

PERCEPÇÃO DE ALTA DA INFLAÇÃO

Caiu de 89% para 83% o contingente daqueles que afirmam que os preços aumentaram muito ou aumentaram nos últimos seis meses.
Subiu de 8% para 11% o montante que indica estabilidade, e outros 5% mencionam queda.

ASPECTOS DE MAIOR IMPACTO NA INFLAÇÃO

75% indicam alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico, 1 ponto a mais que na onda anterior (74%).
30% indicam o preço do combustível, que mantém a segunda posição à frente de saúde e medicamentos, agora em terceiro lugar (28%).
21% demonstram preocupação com os juros dos cartões de crédito, financiamentos e empréstimos, item que continua em quarto lugar, com 5 pontos a mais em relação a março.
8% apontam os gastos com pagamento de escolas, faculdades e outros serviços de educação, que seguem em quinto lugar, agora à frente de passagens e transporte público (7%).

EXPECTATIVAS DOS BRASILEIROS

Inflação e custo de vida: em linha ascendente, a crença de que os preços irão aumentar se mantém em 71%;
Desemprego: após relativa estabilidade no segundo semestre de 2024, a expectativa de aumento do desemprego se mantém em 41%;
Poder de compra: na esteira das perspectivas negativas sobre a inflação, sobe de 48% para 51% a opinião de que o poder de compra vai diminuir;
Endividamento: subiu de 68% para 71% os que creem que vai aumentar;
Taxa de juros: oscilou para 68% a expectativa de aumento;
Impostos: sob impacto dos debates acerca do IOF e outros tributos, foi o item com maior variação no período. A expectativa de aumento nos impostos avançou de 65% para 71%;
Acesso ao crédito: caiu de 35% para 32% a parcela daqueles que acham que irá aumentar, contra 31% que acham que vai diminuir. Montante de 34% aposta em estabilidade.
Salários: permanecem em 58% os que acreditam que não haverá mudança, seja para melhor ou para pior.

PRIORIDADES DA POPULAÇÃO

Saúde: continua no topo como prioridade na agenda da população (32%),
Emprego e Renda: reduziu 3 pontos entre março e junho de 2025 (de 23% para 20%);
Inflação e Custo de Vida: 11%;
Educação: manteve o quarto lugar, com 9% das menções;
Segurança: quinto lugar (9%);
Corrupção: apesar do incremento de 2 pontos entre março e junho (de 6% para 8%), mantém-se na sexta posição;
Fome e Pobreza: continuou em sétimo lugar, com aumento de 1 ponto, para 4% agora.

DESEJOS DA POPULAÇÃO

Guardar dinheiro/investir: o desejo de aplicar na poupança manteve-se em 21%. Já a vontade de aplicar em outros investimentos foi de 28% para 29%.
Moradia: o sonho de comprar uma casa caiu, saindo de 30% em março de 2025 para 28% em junho. Desejo de reformar permaneceu com 15% no mesmo período.
Educação: esse item marca 14% das menções, contra 15% no levantamento anterior.
Viagens: o desejo de viajar em caso de sobras no orçamento apresenta recuo de 13% para 10%.
Saúde: 12% citam o desejo de melhorar o plano de saúde.

Tarcísio lidera presença digital mais uma vez; Michelle avança depois de fakenews e polêmicas.

João Paulo Castro (CEO Datrix)

Índice Datrix de Presidenciáveis – IDP/maio 2025: Tarcísio de Freitas mantém a liderança no Índice Datrix de Presidenciáveis. A pontuação subiu de 15,83 para 25,87, a despeito das críticas à política de segurança pública em São Paulo e também da venda de fazenda a Paulo Skaf. Entre os pontos mais positivos estão a reiteração da importância de Jair Bolsonaro, o bom desempenho em pesquisas e elogios ao caráter técnico de sua gestão. Tarcísio conseguiu nota positiva (8.1), inclusive em mar aberto – menções por stakeholders: influenciadores, outros politicos e mídia –, o que mostra a força de seu nome no ambiente digital.

Michelle Bolsonaro mantém tendência de crescimento: de 9,33 em abril para 18,62 em maio. Seu nome passou a ser ventilado como possível candidata à eleição de 2026 entre apoiadores de Bolsonaro. A ex-primeira dama foi alvo de duas fake news – uma sobre envolvimento no escândalo no INSS, outra sobre tráfico de drogas –, mas saiu fortalecida pela defesa de sua base altamente engajada. A polêmica sobre o vazamento de conversas entre Mauro Cid e Fábio Wajngarten, até o momento, desperta sentimentos antagônicos sobre Michelle, mas nada que freasse o crescimento dela no período.

O escândalo do INSS impactou negativamente a nota de Lula, que caiu de 5,90 para 1,77 pontos. Mas lidera nas redes próprias com um IDP de 25,81, mostrando sua força em engajar a base de seguidores. Seu desempenho positivo foi marcado pelos investimentos trazidos em viagem internacional para a China.

Romeu Zema subiu de 4,72 para 13,71. Mesmo tendo um desempenho discreto nas redes próprias, o seu posicionamento contra Lula e o PT, no caso das fraudes do INSS, contrabalançou o volume de críticas à sua decisão de propor reajuste salarial a professores inferior ao piso nacional.

Caiado melhorou o desempenho, equilibrando críticas e elogios: saiu de 3,64 para 8,12. Assim como Tarcísio, Caiado também engajou a base positivamente ao dizer que, caso eleito, daria anistia a Jair Bolsonaro. Com desempenho no mar aberto  de -6,10 e nas redes próprias de 14,22, ainda busca tração no ambiente digital.

Ratinho Junior cai quase 8 pontos, saindo de 14,93 para 6,94. O motivo reforça um padrão observado nos meses anteriores: ele ainda não era alvo de críticas em um cenário nacional. Em maio, porém, foi apontado em reportagens por desrespeitar leis ambientais e por defender que haja legislações penais próprias nos estados. Sendo o presidenciável com menor desempenho em redes próprias (9,71), Ratinho Junior tem menos mecanismos de sustentação do desempenho digital.

Ciro Gomes teve queda relevante: de 9,59 para 1,08, registrando o segundo menor IDP. O mar aberto chegou a -10,04 e sua presença nas próprias redes foi pequena (11,10), o que o deixou vulnerável à repercussão negativa da sua defesa ao ex-ministro Lupi.

Eduardo Bolsonaro aprofundou desgaste. Já em baixa em abril (-3,06), caiu para -12,03, sendo o presidenciável com menor IDP no mês. Mesmo com redes próprias em alta (19,90), enfrenta forte rejeição no mar aberto (-31,93).

Pesquisa RADAR FEBRABAN (mar/2025)

Preocupação com inflação e com custo de vida aumenta entre brasileiros em 2025

Por outro lado, Pesquisa RADAR FEBRABAN também mostra que sete em cada dez brasileiros dizem-se satisfeitos com a vida pessoal, mantendo patamar dos últimos levantamentos

O brasileiro começou o ano de 2025 mais preocupado com a inflação e com o aumento do custo de vida. A percepção de que os preços estão em elevação saltou de 74% em setembro de 2024 (última edição em que a pergunta havia sido feita) para 89% agora, o maior percentual em mais de dois anos.​ A opinião de que a inflação aumentou nos últimos seis meses é igual ou superior a 85% é generalizada e abrange todos os estratos sociodemográficos e regiões brasileiras.

Alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico consolidam-se no primeiro lugar entre os itens mais impactados pela inflação. Algumas alterações foram observadas entre setembro e março como de maior peso na inflação: 74% indicam alimentos e outros produtos do abastecimento doméstico, 4 pontos a mais que na onda anterior (70%). O preço dos combustíveis assumiu a segunda posição entre os itens mais afetados (31%), à frente de saúde e medicamentos, agora em terceiro lugar (30%). ​

Os dados são revelados pela sétima edição da Pesquisa RADAR FEBRABAN, realizada entre os dias 19 e 21 de março 2025 com 2 mil pessoas nas cinco regiões do País. O levantamento mostra que, por outro lado, a percepção com relação à vida pessoal e familiar se mostra praticamente estável em comparação a dezembro de 2024, com 72% de respostas para “satisfeito” ou “muito satisfeitos”.

Segundo a pesquisa, 80% dos brasileiros avaliam que nesse primeiro trimestre sua vida pessoal e familiar ou melhorou (41%) ou ficou igual (39%). Esse balanço representa um retorno aos patamares de abril de 2024 (melhorar: 41%; ficar igual: 41%) e abril de 2023 (melhorar: 41%; ficar igual: 38%), revelando uma tendência para esse período do ano.

“As notícias sobre a economia, marcadas no primeiro trimestre por temas como aumento da inflação e da taxa de juros, revisão para baixo das previsões de crescimento do PIB e possível impacto das políticas comerciais dos EUA sob o novo governo de Donald Trump, trouxeram incertezas para os brasileiros e impactaram as expectativas em relação ao Brasil no decorrer do ano”, aponta o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

A Pesquisa RADAR FEBRABAN é realizada trimestralmente pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE) e mapeia a percepção e expectativa da sociedade sobre a vida, aspectos da economia e prioridades para o país. A pesquisa também apura as opiniões de cada uma das cinco regiões brasileiras.

A íntegra do levantamento de março de 2025 do RADAR FEBRABAN, pesquisa FEBRABAN News-IPESPE pode ser acessada abaixo:

Novo produto IPESPE – Pulso Brasil

O Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE) apresenta seu mais recente produto, o Pulso Brasil. Trata-se de pesquisa realizada entre 20 e 25 de março de 2025, com o objetivo de captar as percepções, tendências e comportamentos da população brasileira.

Com uma amostra representativa de 2.500 entrevistados, o estudo abrange cidadãos a partir de 16 anos, em todas as regiões do país, seguindo critérios demográficos do IBGE (2022) e TSE (2024). A metodologia combina abordagens telefônicas (CATI) e online (CAWI), garantindo precisão e abrangência, com cotas controladas por sexo, idade, localidade e instrução.

A margem de erro máxima é de 2,0 pontos percentuais (para mais ou para menos), em um intervalo de confiança de 95,45%, variando conforme o segmento analisado. Os resultados refletem não apenas a realidade estatística, mas também as nuances de um Brasil plural, oferecendo insights valiosos para análise social, política e econômica.

Pulso Brasil se propõe, assim, a ser um termômetro confiável da opinião pública, essencial para entender os rumos do país. Baixe a íntegra da pesquisa por meio do link acima.

A mudança da política 

Por Antonio Lavareda* – 06/08/2024 00h06  – O GLOBO – Artigos

Se um orador em qualquer auditório perguntar à plateia se acha necessário mudar a política, quase todos os braços se levantarão. Da esquerda, centro, e direita. Os dois ou três reticentes serão certamente de cientistas políticos “nefelibatas”, como diria FHC, que de pronto arguirão o óbvio – essa insatisfação é generalizada no mundo. O que não deveria, contudo, fazê-los desconhecer o diferencial de intensidade dos problemas daqui, e ignorar os sinais do abismo à frente. 

As disfunções do nosso sistema político são variadas. Por hora foquemos de um lado no “presidencialismo esgotado”, e de outro na “representação sem fidúcia”, para os quais há diversos indicadores, mas por economia de espaço abordo apenas dois.

Abstraindo-se qualquer etiologia, examinemos o que denomino “taxa de sinistralidade” dos presidentes eleitos na 4a e na 6a Repúblicas – a do Pós Guerra e a atual -, deixando-se de lado as demais por terem escassa ou nenhuma conformação democrática. E apenas dos titulares, valendo para a análise o período dos mandatos e eventuais ocorrências dele derivadas. Na primeira fase, dos quatro presidentes dois exercícios foram encerrados dramaticamente: Getúlio (1954) suicidou-se, e Jânio (1961) renunciou. 50%de sinistralidade. Na Nova República, independente das reeleições, foram até agora cinco personagens, dos quais quatro amargaram problemas graves. Collor sofreu impeachment (1992); Dilma também (2016); Lula foi preso (2018) e declarado inelegível (o que seria depois revertido); e Bolsonaro foi tornado inelegível (2023) sem ainda ter sido preso. Quatro em cinco. A taxa sobe para 80%. A que montante queremos chegar? 

Quanto à representação sem fidúcia, para prová-la basta um número. Axiomaticamente, confiança supõe conhecimento, mínimo que seja. Inexiste, se eu não lembro sequer do representante que escolhi. Em setembro de 2022, menos de um ano depois da eleição dos atuais deputados federais, perguntados pelo IPEC se lembravam o nome daquele/a em quem haviam votado, apenas 29% disseram que sim. E é legítimo supor que esse baixíssimo registro ainda diminuiria caso fosse indagado e conferido o candidato sufragado. 

Sendo inequívoco o impacto da governança que um sistema político propicia sobre a performance da respectiva sociedade, os dados que O Globo trouxe em editorial (23/6/2024) são um veredito condenatório. Calculou o quanto cresceu ao ano a renda per capita entre 2010 e 2023 – período interessante porque por ele passaram governos de todo o espectro ideológico – chegando à cifra de 0,2 porcento. E projetou o momento em que dobraríamos o padrão de vida, imprescindível para arrancar o país à pobreza que aflige grande parte da população. A conclusão, estarrecedora, é que isso se daria no distante ano de 2368. Ou seja, alcançando os nossos tataranetos. 

Alguém lembrará que até aqui o Judiciário não foi citado. É verdade e é deliberado, independente da obviedade de que esse poder também precisa mudar. Presidentes escolhem os juízes da Suprema Corte, que são confirmados ou não pelo Senado. Não é mudando-se o Judiciário que se muda o padrão de governação e de representação. O roteiro é o inverso. 

E quais as mudanças possíveis? Quanto ao regime, um sem número de vozes já diagnosticaram a inevitabilidade de avançarmos na direção de um sistema misto. Mais francês ou mais português, o que seja1. Entre nós, na ausência de um monarca, é enraizada a idéia da legitimação do poder pela escolha direta. Lá atrás, isso justificou as duas primeiras eleições nacionais – para a Regência Una (1835 e 1838). No século passado, essa preferência seria confirmada nos plebiscitos de 1963 e 19932. Não retrocedendo a captura do orçamento pelo parlamento, caberá adotar a convivência entre um presidente chefe de Estado e um chefe de Governo escolhido pelo Congresso3. Se é expressivo o agregado de líderes políticos e de intelectuais que apostam nisso, diminui bastante o daqueles que se ocupam do esforço de superação da representação sem fidúcia, que exige mudança no sistema eleitoral. Mas não será possível termos o primeiro ministro e o gabinete parlamentar toleráveis aos olhos da sociedade com os partidos “hidropônicos” que temos hoje4

*Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), é professor colaborador da pós-graduação em ciência política da UFPE e presidente de honra da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais. Este artigo é uma síntese da palestra na mesa “Reforma política” no 14º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política ABCP/CDESS.

Notas 

  1. O presidente francês é mais empoderado. Tem considerável poder executivo e desempenha papel decisivo na política externa e na defesa. É comandante chefe das FFAA, pode emitir Decretos e convocar Referendos, e eventualmente preside o Conselho de Ministros. O presidente português, também eleito diretamente, atua consoante um papel mais simbólico e “moderador”, sendo uma espécie de árbitro em crises políticas. É menos influente no dia a dia, independente da composição do governo. Conforme o artigo. 133 da CP, ele é o comandante supremo das forças armadas, preside o Conselho de Estado, nomeia o primeiro ministro levando em consideração o resultado das urnas , nomeia os representantes da República para as regiões autônomas, dirige Mensagens à Assembleia, e pode dissolver a Assembleia da República, ouvidos os partidos e o Conselho de Estado. Mas mesmo limitado, está longe de ser um poder irrelevante. No final do ano passado, Marcelo Rebelo, quando o 1o ministro Antonio Costa renunciou, na sequência de uma operação do Ministério Público que depois se mostraria despropositada, ele convocou eleições, que se deram em março desse ano e mudaram a face da Assembleia. A AD assumiu o governo, e o CHEGA multiplicou quatro vezes sua bancada. De 12 para 50 deputados. 
  2. a) Após a partida de D. Pedro I em 1831, deixando para trás um herdeiro de apenas 5 anos, o modelo que se buscou para manter a monarquia foi a Regência Trina. Porém, nos anos seguintes ela se mostraria inviável. O que levou ao Ato Adicional de 1834, alterando a Carta de 1824, que instituiria o mando unipessoal, a Regência Una. E para legitimar a designação desse gestor importou-se a fórmula americana. O Regente seria escolhido através de eleição nacional com voto secreto e mandato de quatro anos. Em 1835 e 1838 tivemos, assim, nossas duas primeiras eleições “presidenciais”. Com poucos eleitores é verdade, mas que não deixaram de ser algo competitivas, o que naqueles tempos até causa espécie. Seus resultados mostram que os vitoriosos – O Padre Feijó na primeira, e Araújo Lima na segunda – tiveram vitórias mais apertadas que a maioria dos presidentes eleitos na Primeira República. b) Lembrando que 1963 foi um Referendo retificador. O parlamentarismo fora introduzido em 1961 como um artifício de negociação para dar aos chefes militares golpistas uma saída, um recuo não de todo desmoralizante. Eles haviam se rebelado contra a posse de Goulart após a renuncia de Jânio, mas a reação a partir do RGS governado por Leonel Brizola havia atraído setores militares, e vendo as FFAA divididas eles preferiram recuar. A ideia do parlamentarismo foi a saída. Dois anos depois a população restaurou o presidencialismo por 77%. Em 1993, a consulta cumpria previsão da Constituição de 1988. Dessa vez, optaram pelo presidencialismo 55% dos votantes.
  3. O valor das emendas foi multiplicado por mais de quatro vezes nos últimos oito anos. Corresponderam, segundo Bruno Carazza, no governo Bolsonaro na média a quase 30% do total de despesas discricionárias do governo federal. Em 2023 esse número recuou para 24%. E este ano pode crescer de novo. O pagamento de grande parte delas se tornou obrigatório. Para seduzir os congressistas é necessário liberar aquelas Emendas extras. E quem controla na prática o processo de liberação são os presidentes das duas casas, numa relação direta com os parlamentares, flanqueando até as lideranças das bancadas. MPs não podem mais ser reeditadas sem limites. Com frequência são alteradas ou rejeitadas. Os vetos presidenciais passaram a trancar a pauta quando não votados. E cada vez mais são derrubados. O Executivo perdeu parte substancial dos instrumentos de governação que detinha. O Congresso nas crises amplificou seu poder. Avançou substancialmente sobre o orçamento. Ressalte-se, sem qualquer traço de accountability. E sem paralelo com outros países. As emendas pork barrel dos congressistas americanos para suas demandas paroquiais, além de estigmatizadas (passaram 11 anos suspensas) corresponderam apenas a 1,5% do montante de investimentos discricionários do governo Biden no ano passado (2023). Levantamento da Transparência Brasil (CBN, 29/07/2023) revelou que menos de 1% das Emendas PIX informaram o destino e a finalidade. Cada deputado federal tem nas mãos neste ano, em média 58 milhões, uma quantia maior do que a recebida por 79% dos municípios brasileiros, consideradas todas as transferências da União (O Globo, 18/12/2023). Mas sempre haverá quem veja virtudes insuspeitas nos aspectos digamos “macunaímicos” do nosso sistema político.
  4. Algumas mudanças que assistimos na Reforma de 2017 conseguiram reduzir ou impedir a proliferação de partidos com assento no parlamento. O fim das coligações nas proporcionais ajudou nisso. A cláusula de barreira, também. As Federações, nem tanto. Mas por acaso essas medidas melhoraram a accountability dos eleitos? Tem quase 100 anos a adoção do modelo atual. Proporcional com lista aberta, desorganizada. É singular se levarmos em conta o tamanho dos distritos utilizados: os estados e o Distrito Federal. Na maioria dos países que empregam o voto proporcional, as listas são pré ordenadas. Os poucos que não o fazem, como lembra Jairo Nicolau, têm eleitorados muito menores que o nosso ( Polônia, Finlândia, Chile, Dinamarca) e operam com distritos reduzidos. O custo da competição no nosso modelo é muito elevado. A disputa maior se dá internamente. Mulheres e negros, com meras cotas de financiamento, são sub representados. Em SP, na eleição de 2022, um eleitor teve que escolher um nome entre 1540 candidatos a deputado federal. Um outro entre 2059 candidatos a deputado estadual. E em 2020, um eleitor da capital foi desafiado a escolher seu vereador entre 2002 candidatos. Resultado: ininteligibilidade total. Memória reduzida dos nomes escolhidos. Opacidade do sistema . Distância dos cidadãos. Baixa ou baixíssima legitimidade. Representação individualizada. Partidos hidropônicos, na sua maioria sem raizes na sociedade, desprovidos de significado aos olhos dos cidadãos. O sistema faz da Câmara Federal um agregado de “513 empreendedores individuais”. Imagine-se a indicação de um Chefe de Governo, de um lado desconhecido do grande público, e de outro representando um partido que tenha escassa preferência dos eleitores. Que sentimentos essa combinação produziria na sociedade? Parece claro que temos um presidencialismo esgotado, e que talvez a mudança do sistema surja como inevitável em algum ponto à frente. Mas ela exigirá, prévia ou simultâneamente, a reorganização da representação. Que de resto deveria ser da mesma forma uma preocupação dos que acreditam na manutenção do modelo atual, pois ela é indispensável para fortalecer o fragilizado padrão de governação vigente.


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Leia por meio do acesso ao jornal O Globo >> https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/08/e-preciso-mudar-a-politica-mas-como.ghtml

Raio-X da Saúde Suplementar no Brasil

FGV Justiça/IPESPE Saúde

O “Raio-X da Saúde Suplementar no Brasil” se propõe a analisar a opinião de usuários e não usuários de planos de saúde, acerca do presente setor econômico, a partir de um diagnóstico e acompanhamento de sua imagem. Para tanto, foi realizada uma amostra nacional de 2.000 (dois mil) entrevistados entre a população adulta brasileira de 18 anos e mais, de todas as regiões do país, e subamostra de usuários de planos de saúde, no período compreendido entre 16 e 22 de maio de 2024.

A pesquisa é composta pela compilação de dados quantitativos, coletados por meio de questionário elaborado pelo Ipespe em conjunto com a FGV Justiça, constituído por perguntas acerca da realidade da saúde suplementar no Brasil, sem perder de vista a comparação com a saúde pública. 

Nesse sentido, os resultados da pesquisa, a partir do perfil da amostra, são assim divididos em: avaliação do setor, importância do setor de saúde suplementar, mercado de planos de saúde no Brasil, judicialização da saúde no setor privado e conhecimento de entidades ligadas ao setor da saúde. A presente pesquisa, dessa forma, tem como principal intuito promover o debate sobre a saúde suplementar no Brasil, a partir da opinião pública acerca das questões socioeconômicas que orientam o setor. Assim, buscou-se a definição de um conjunto de recortes da realidade social acerca da saúde suplementar brasileira, por meio de uma cartografia de escolhas adequada para compreender a realidade circundante.

Conclusão

Conclui-se, portanto, que a pesquisa se propôs a coletar dados da população brasileira sobre o setor da saúde suplementar. Nesse sentido, foi feita profunda, densa e pormenorizada análise sobre o mercado de operadoras de planos de saúde no Brasil, a partir: da constituição de um perfil de entrevistados e seus marcadores; da avaliação e da importância do setor; da contextualização do mercado de planos no Brasil; da apreensão do fenômeno da judicialização da saúde privada; e do conhecimento acerca das entidades ligadas ao setor de saúde. A partir de uma amostra nacional de 2.000 (dois mil) entrevistados entre a população adulta brasileira de 18 anos e mais, de todas as regiões do país, e subamostra de usuários de planos de saúde, a presente pesquisa buscou constatar a percepção do cidadão acerca do setor de saúde privado no país.

Nesse sentido, o Raio-X da Saúde revelou que a avaliação da “Rede Pública de Saúde” entre os brasileiros é predominantemente regular. Dentre as avaliações, as expressamente negativas (ruim e péssima) correspondem a 32% dos entrevistados, e somente um quarto avalia como ótima e boa. Tal resultado acarreta um saldo negativo de avaliação de -7 pontos. Por outro lado, a avaliação do “Sistema Único de Saúde (SUS)” é mais favorável que a da Rede Pública quando avaliada de forma genérica: 37% avaliam o SUS como ótimo e bom; 38% como regular; e 24% como ruim e péssimo, um saldo positivo de avaliação de 13 pontos. Esse saldo mantém-se positivo em todos os estratos sociodemográficos. Por fim, a Rede “Privada de Saúde” tem avaliação majoritariamente regular: 42%, contra 34% que avaliam como ótima e boa e 18% que avaliam como ruim e péssima. Em relação ao grau de satisfação com o plano de saúde, 7,7 é a média de satisfação dos usuários com os seus planos de saúde. Por outro lado, chama atenção o percentual de brasileiros que declaram confiar pouco ou não confiar no “Setor de Saúde Suplementar/ Planos de Saúde”: 55%, contra 42% que confiam ou confiam muito. Além desses marcadores, foram analisados: a avaliação da atuação dos planos de saúde no Brasil; o grau de confiança no setor; a favorabilidade do noticiário sobre planos de saúde; a percepção acerca da evolução do setor de planos de saúde no país; a avaliação do desempenho dos planos durante a pandemia, dentre outros, o que pode ser visualizado ao longo dessa pesquisa. Em relação à importância do setor de saúde suplementar, a atribuição de importância do setor de saúde suplementar por meio dos planos de saúde é significativamente elevada: 88% consideram importante ou muito importante. Reiterando essas opiniões, também é alta a atribuição de importância dos planos de saúde “para a geração de empregos” (89%); para “o acesso das pessoas aos serviços de saúde” (88%); e para “a melhoria da área de saúde no Brasil” de modo geral (88%). Esse último aspecto expressa o reconhecimento, ainda que com entendimento reduzido, do caráter complementar e suplementar do setor com a Saúde Pública. Como no item anterior, esses números ultrapassam 80% em todos os segmentos de público.

Tendo em vista o mercado de planos de saúde no Brasil, dentre outros marcadores, destacam-se os pontos positivos e os pontos negativos dos planos de saúde. No que concerne aos pontos positivos dos planos de saúde, itens relacionados à qualidade do serviço aparecem nos primeiros lugares do ranking, considerando apenas a primeira menção: Qualidade dos serviços: 22%; Qualidade dos profissionais de saúde: 16%; Atendimento presencial: 14%; Rede credenciada de atendimento: 7%. Itens como inovação tecnológica, atendimento digital, transparência quanto aos reajustes, entre outros, receberam 5% ou menos das primeiras menções. Já no que diz respeito aos pontos negativos dos planos de saúde, o preço aparece no topo do ranking. A questão emerge como o ponto mais crítico em relação aos planos de saúde, somada à sensação de falta de transparência quanto aos reajustes: Valor das mensalidades: 27%; Qualidade dos serviços: 8%; Custo-benefício, coberturas, qualidade dos profissionais de saúde, tempo de carência, atendimento presencial, empatados com 6%. Outros itens receberam 5% ou menos das primeiras menções. Ante a avaliação de aspectos específicos quanto à oferta de planos de saúde, em uma lista de 5 itens sobre os planos de saúde atualmente ofertados no mercado, “produtos e serviços modernos e com uso de novas tecnologias” é o que obtém avaliação mais positiva, com 54% de ótimo e bom; enquanto “opções de preços” comparecem em último lugar, com 17% de ótimo e bom.

Em relação à percepção sobre valores das mensalidades sobre planos de saúde, predomina entre os brasileiros uma percepção negativa do custo-benefício dos planos de saúde. Considerando os produtos e serviços oferecidos pelos planos, 48% avaliam que os valores das mensalidades são “muito altos”, 36% que são “altos” e apenas 10% que são “justos”. Em outro sentido, acerca do conhecimento de fraudes no uso dos planos de saúde, 46% dos brasileiros afirmam já ter tomado conhecimento ou ter ouvido falar sobre as fraudes que são cometidas no uso dos planos de saúde, envolvendo usuários e profissionais dos planos. Sobre o entendimento do que é judicialização, 78% dos entrevistados desconhecem tal termo. Assim, apenas um quinto dos brasileiros conhecem a expressão “judicialização da saúde no setor privado”. Diante de uma breve descrição do conceito (“No Brasil, muitos RAIO-X DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL 105 conflitos entre usuários e seus planos de saúde acabam sendo levados à Justiça, gerando a chamada judicialização da saúde”), fica evidente certa desconfiança dos usuários em relação ao setor e a insatisfação com as operadoras no que concerne à transparência.

Apenas 6% dos entrevistados já acionaram a Justiça contra seus planos de saúde e 26% conhecem alguém que o fez. Entre os motivos que levaram alguém ter acionado a Justiça contra o plano de saúde, “a negativa de cobertura assistencial” aparece isolada em primeiro lugar (65%). Quanto ao que foi negado na cobertura assistencial, “cirurgia” é o item mais citado (51%), seguido de longe por “medicamentos” (12%), além de outros com menos de 10% das menções. Já no que diz respeito às “questões relacionadas à suspensão dos contratos”, esta ocupa longínquo segundo lugar (16%). Sobre quais questões do contrato foram suspensas ou alteradas, 59% especificam “mudança das cláusulas”, 19% citam “cancelamento do plano sem aviso prévio”; e 12% mencionam “cancelamento do plano por inadimplência”. Ainda entre os motivos que levaram alguém a ter acionado a Justiça contra o plano de saúde, outros 14% mencionam “questões relacionadas ao reajuste da mensalidade”. Além desses marcadores, foram analisados, acerca do entendimento da judicialização da saúde: o âmbito de abrangência da judicialização e seus efeitos; a interferência da judicialização nas normas estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar; a concordância dos entrevistados com os argumentos sobre judicialização da saúde; e as demandas e as expectativas sobre a judicialização da saúde. Por fim, em relação ao conhecimento de entidades ligadas ao setor de saúde, a pesquisa demonstra ser amplo, em todos os segmentos de público investigados, o desconhecimento sobre entidades ligadas ao Setor de Saúde Suplementar, sendo a entidade mais conhecida a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Os resultados alcançados visam, portanto, mapear o caminho a ser seguido por políticas públicas e por alterações legislativas e regulamentares, orientando o setor econômico e os poderes competentes nas tomadas de decisão, bem como na melhoria de todo sistema de saúde suplementar nacional. 

Aos 30 anos Plano Real é aprovado pelos brasileiros, mas a inflação continua preocupando

Pesquisa inédita do Observatório Febraban revela que 70% já ouviram falar em hiperinflação e 64% associam o termo ao passado, indicando que o Brasil já não vive mais essa realidade

Passados quase 30 anos do lançamento do Plano Real, os brasileiros mantêm o apoio ao programa de estabilização de preços, de 1994, consideram que ele foi um sucesso, mas admitem que a inflação ainda é uma preocupação permanente da sociedade. A maioria da população (66%) acredita que os brasileiros “continuam muito preocupados”com a inflação e 79% opinam que a inflação “deve ser uma preocupação permanente da sociedade e do governo”. É o que revela a 15a edição da pesquisa Observatório Febraban feita pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE) para a Febraban.

Além disso, 71% dos brasileiros opinam que ele “continua importante, pois lançou as bases para uma economia mais sólida e estável”. Aqueles que avaliam que “com a economia brasileira estável a inflação deixou de ser uma preocupação prioritária” somam apenas 15%.

Realizada entre os dias 3 e 9 de dezembro de 2023, com 3 mil pessoas nas cinco regiões do País, a pesquisa aborda a perspectiva dos brasileiros sobre os 30 anos do Plano Real e a inflação. O levantamento inédito procura investigar o que pensam os brasileiros a respeito do Plano e o que a geração que nasceu nos anos seguintes, e não viveu o Brasil da hiperinflação, sabe do Plano Real. A pesquisa também apura as opiniões específicas em cada uma das cinco regiões brasileiras.

Em uma sociedade que conviveu com níveis altíssimos de inflação – que fechou 1993 em 2.477% –, a escalada de preços ainda está na memória: 70% já ouviram falar em hiperinflação e 64% associam o termo ao passado, indicando que o Brasil já viveu, mas não vive mais, essa realidade.

A memória da hiperinflação, contudo, mostra-se difusa mesmo nas gerações contemporâneas ao Plano Real. Entre os que ouviram falar, 37% lembram o que é hiperinflação e 33% não lembram. Essa lembrança e o conhecimento sobre hiperinflação (“já ouviu falar e lembra o que é”) são maiores nas faixas a partir de 45 anos (45 a 59 anos: 45%; 60 anos ou mais: 46%), e menores entre os mais jovens (18 a 24 anos: 26%; 25 a 44 anos: 33%)

O levantamento mostra que, mesmo com a economia estabilizada, quase metade dos brasileiros (47%) avalia que o Brasil vive atualmente uma inflação alta ou muito alta.

Perguntados sobre qual a taxa acumulada da inflação em 2023, um terço dos entrevistados (34%) acham que é maior do que efetivamente é. Um quarto (26%) indica um número entre “3% e 5%”, próximo à projeção do último Boletim Focus para o IPCA (4,51%), divulgada pelo Banco Central.

“A Inflação é um imposto perverso, atinge as famílias, dificulta o cálculo empresarial, eleva o risco da economia, tira a previsibilidade do investimento de longo prazo, reduz o consumo de bens e serviços e, particularmente, penaliza as camadas mais baixas da população. A notícia boa desse levantamento é que, felizmente o brasileiro compreendeu a importância de combater a inflação e manter os preços estáveis”, diz Isaac Sidney, presidente da Febraban, que alerta: “Mas a inflação é um gato de sete vidas: ela precisa ser controlada, pois volta quando baixamos a guarda.”

“O Plano Real e o Bolsa Família são vistos como as duas principais marcas da economia brasileira na Nova República. O que significa que a estabilidade da moeda juntamente com as políticas sociais são ambas valorizadas como as mais relevantes alavancas do nosso desenvolvimento, avalia o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

CONHECIMENTO E OPINIÃO SOBRE O PLANO REAL

Bolsa Família e Plano Real disputam o primeiro lugar como programas mais importantes para a economia brasileira nas últimas décadas, em uma lista de doze programas ou ações reconhecidas por especialistas como relevantes para o desenvolvimento econômico e social do país:

26% – Bolsa Família

23% – Plano Real

15% – Abertura da economia para o comércio internacional

9% – Auxílio Emergencial

5% – Entrada do Brasil no BRICS

3% – Lei de Responsabilidade Fiscal

3% – Descoberta do Pré-Sal

2% – Reforma Trabalhista

2% – Reforma da Previdência

2% – Reforma Tributária

2% – Programa de Aceleração do Crescimento, PAC

1% – Programa de privatização das telecomunicações, energia e siderurgia1% – Nenhum 6% – NS/NR

CRUZEIRO X REAL

Enquanto o Cruzeiro é a moeda mais lembrada em associação aos períodos de maiores taxas inflacionárias no país, o Real aparece consolidado no imaginário da população como a moeda que marcou a estabilidade da economia.

Pouco mais de um terço (35%) citam acertadamente, em pergunta estimulada, o Cruzeiro como a moeda em vigor quando o país enfrentou as taxas mais altas de inflação. E 48% mencionam outras moedas, incluindo o próprio Real (19%), o Cruzado e o Cruzado novo (ambos com 14%).

Em outra questão estimulada, sobre qual moeda está associada a menores taxas de inflação e à estabilidade da economia, 70% dos respondentes citam o Real. Os demais 30% se distribuem em menções, com menos de dois dígitos, a outras moedas.

CONHECIMENTO DO PLANO REAL

Sob estímulo, o conhecimento do Plano Real (“já tinham ouvido falar”) é de 80%, enquanto 15% dos brasileiros nunca ouviram falar do Plano Real ou não souberam responder (5%).

A avaliação retrospectiva e atual do Plano Real é majoritariamente positiva. Cerca de oito em cada dez entrevistados (77%) avaliam o Real como ótimo ou bom, após quase 30 anos de implementação. Outros 18% o consideram regular e apenas 2% expressam uma opinião negativa.

IMPORTÂNCIA DO PLANO REAL
Numa lista de oito aspectos, pelo menos 70% dos brasileiros avaliam o Plano Real como muito importante ou importante:

  • Estabilização da moeda e da economia (89%)
  • Crescimento do país (88%)
  • Melhora do poder de compra (85%)
  • Vida pessoal e de sua família (83%)
  • Geração de emprego e renda (81%)
  • Confiança do país no Exterior (80%)
  • Atração de investimentos (80%)
  • Diminuição das desigualdades sociais (70%)PERCEPÇÃO SOBRE A INFLAÇÃO NO BRASIL

66% dos entrevistados acreditam que os brasileiros “continuam muito preocupados” com a inflação e 79% opinam que a inflação “deve ser uma preocupação permanente da sociedade e do governo”. Um quinto dos respondentes (21%) acredita que atualmente a população está menos preocupada com a inflação e para somente 10% a inflação não é uma preocupação atual. Já aqueles que avaliam que “com a economia brasileira estável a inflação deixou de ser uma preocupação prioritária” somam 15%.

Quase metade dos brasileiros (47%) avalia que o Brasil vive atualmente uma inflação alta ou muito alta. Quase quatro em cada dez entrevistados (38%) classificam como moderada a atual taxa de inflação, enquanto 13% a consideram baixa ou muito baixa. Para esse agregado de 51%, portanto, o país tem a inflação em níveis aceitáveis, dentro do teto estabelecido pela autoridade monetária.

Perguntados sobre qual a taxa acumulada da inflação em 2023, um terço dos entrevistados (34%) acha que é maior do que efetivamente é. Um quarto (26%) indica corretamente um número entre “3% e 5%”, próximo à projeção do último Boletim Focus para o IPCA (4,51%), divulgada pelo Banco Central. Outra parcela de quase um quarto (23%) não tem ideia; e pouco menos de um quinto (17%) responde um percentual menor do que é a inflação de fato.

A MEMÓRIA DA HIPERINFLAÇÃO

Entre os entrevistados 70% já ouviram falar em hiperinflação e 64% associam o termo ao passado, indicando que o Brasil já viveu, mas não vive mais, essa realidade. A memória da hiperinflação, contudo, é difusa mesmo nas gerações contemporâneas ao Plano Real. Entre os que ouviram falar, 37% lembram o que é hiperinflação e 33% não lembram. Pouco mais de um quarto dos brasileiros (27%) nunca ouviu falar no termo.

A despeito da ampla associação entre a moeda brasileira atual e a conquista da estabilidade econômica, mais da metade da população (57%) não sabe precisar, de forma espontânea, qual o programa econômico que recuperou o controle dos preços e pôs fim à hiperinflação no Brasil. Apenas 38% cita espontaneamente o Plano Real

O REAL HOJE

71% dos brasileiros opinam que ele “continua importante, pois lançou as bases para uma economia mais sólida e estável”. Parcela próxima a um quarto (23%), porém, considera que o Plano Real “perdeu importância, pois o Brasil mudou muito desde então e os desafios de hoje são outros”.

Atualmente, a confiança no Real é considerada maior no próprio país do que fora dele, junto a outros países e investidores estrangeiros. O sentimento de confiança na moeda brasileira apresenta os seguintes números:

✓ 63% dos respondentes acreditam que os brasileiros confiam muito ou confiam no Real.

✓ 60% creem que as instituições do setor econômico confiam muito ou confiam na moeda brasileira.

✓ 48% creditam confiança ao Real por parte dos outros países e investidores estrangeiros.

A despeito da confiança dos brasileiros na moeda nacional, mais da metade dos deles (55%) avaliam que o Real está muito desvalorizado ou desvalorizado em relação ao Euro e ao Dólar.

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Sobre o IPESPE

O Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), fundado em 1986, é uma das instituições mais respeitadas do Brasil no setor de pesquisas de mercado e opinião pública. E conta com um conselho científico formado por especialistas de diversas áreas, o qual é presidido por Antonio Lavareda, mestre em sociologia e doutor em ciência política.

Tem equipes operacionais e consultores em todos os estados do País e atuação em âmbito nacional e internacional, sempre atualizado com o que há de mais inovador em técnicas e sistemas de pesquisas. A experiência, o rigor técnico e a agilidade do IPESPE têm se transformado em ferramentas fundamentais para que empresas privadas, governos e organizações possam conhecer melhor o seu público e o mercado.

Sobre o OBSERVATÓRIO Febraban

O Observatório Febraban – Pesquisa Febraban IPESPE foi lançado em junho de 2020 com objetivo de se tornar uma fonte de informações sobre as perspectivas da sociedade e o potencial impacto econômico-financeiro, ouvindo a população e estimulando o debate em diversos setores. Com periodicidade trimestral, a iniciativa é parte de uma série de medidas da Febraban para ampliar a aproximação dos bancos com a população e a economia real, de forma cada vez mais transparente.

Extrema direita agoniza sem fake news

Desinformação deliberada na internet explora medo e raiva e precisa ser coibida por regulação de plataformas

Publicado originalmente na IlustríssimaFolha de S. Paulo – 27.jun.2024 às 15h00

Antonio Lavareda – Cientista político, é presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais)

[RESUMO] Autor analisa a mobilização, por líderes antissistema e autoritários, de sentimentos negativos de eleitores, argumentando que a circulação desenfreada de fake news em aplicativos de mensagens e redes sociais, pilar da escalada recente do populismo de extrema direita, deve ser limitada pela regulação de plataformas. Pesquisas em Portugal e no Brasil indicam a força de massas emocionalmente radicalizadas e as ameaças que representam à democracia.

Em todo o mundo, vêm se discutindo os efeitos deletérios da desinformação deliberada e da disseminação maciça de fake news na internet, que atingem o âmago da higidez das eleições e fragilizam a democracia representativa.

Assim como o diagnóstico, a solução apontada é praticamente consensual entre os especialistas: o problema não pode ser resolvido, mas é preciso tentar coibi-lo por meio, sobretudo, da regulação das plataformas e das mídias sociais, como fez a União Europeia. Para ser efetiva, tal regulação implica um grau de dificuldade muitas vezes maior que seu equivalente no mundo analógico.

Deepfakes criadas por inteligência artificial e por milhões de usuários e bots que reproduzem desinformação apócrifa em redes criptografadas de ponta a ponta trazem a complexidade da tarefa a um patamar incomparável ao que foi, no passado, o desafio de controlar a propaganda em jornais, rádios e televisões.

Além disso, há uma forte reação a essas iniciativas em países como o Brasil —o Congresso, por exemplo, manteve recentemente o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que travou a tipificação do crime de comunicação enganosa em massa no contexto eleitoral.

Por que há uma oposição tão contundente, capitaneada pela extrema direita, às tentativas de regulação das plataformas? A resposta a seguir é baseada na psicologia política e na neuropolítica.

A opinião pública é movida por sentimentos. Não são as ideias que põem as massas em movimento, mas as emoções nelas despertadas: os sentimentos gerados pela narrativa dos fatos mais que os próprios fatos.

Como António Damásio resumiu, somos máquinas de sentimentos que pensam e não máquinas racionais que se emocionam. Somos seres frequentemente mais racionalizadores que racionais. Tratando mais diretamente do nosso objeto, já foi bem demonstrado o quanto o conteúdo emocional aumenta a credibilidade das fake news (Martel et al, 2020).

Historicamente, os líderes antissistema, de esquerda ou de direita, só tiveram êxito quando foram capazes de despertar, em uma quantidade suficiente da população, a raiva ou a indignação necessárias para enfrentar as instituições vigentes —tanto pela força bruta, como nas revoluções Francesa e Russa, quanto pelo método atual da extrema direita, que consiste em se inserir no processo eleitoral com uma retórica incendiária para depois corroer a democracia representativa por dentro.

Hoje, é difícil identificar quanto da mente dos seguidores do nazifascismo era ocupada por cada um deles. É mais fácil saber quanto a raiva prosperou do outro lado. Após o ataque a Pearl Harbour, o ódio dos americanos ao inimigo asiático, movido pela campanha oficial que desumanizava os japoneses, gerou a aprovação maciça do ataque a Hiroshima. Uma semana depois da explosão nuclear, 85% dos americanos ouvidos pelo Gallup a aprovaram, mesmo cientes de que mais de 100 mil pessoas haviam sido exterminadas, a grande maioria civis inocentes.

O medo coletivo é polarizador, amplia divisões e frequentemente politiza e distancia diferenças antes pouco valorizadas e conciliáveis. Leva a uma sensação de instabilidade que termina efetivamente por produzi-la, estimulando protestos, conflitos e até a derrubada de governos. Atua na reconfiguração do debate público e estimula os indivíduos a abandonar líderes e partidos tradicionais, galvanizando o apoio a líderes autoritários que lhes acenem com segurança e proteção.

O medo é justificador de políticas repressivas, da restrição de direitos e até da aceitação de intervenções militares, como o Brasil sentiu na pele com as marchas cívicas em “defesa da família e da liberdade”, supostamente ameaçadas antes do golpe de 1964.

O então presidente João Goulart, um grande fazendeiro apoiado pela esquerda, tinha uma avaliação positiva (ótima e boa) de 35%, 41% regular e apenas 19% de ruim ou péssima. A maioria da população apoiava seu projeto de reformas de base. A reforma agrária, a mais polêmica delas, tinha aprovação de 72%. Porém, o marketing dos golpistas explorou o medo do comunismo, muito forte no cenário da Guerra Fria —76% dos brasileiros eram contra a legalização do Partido Comunista—, e Goulart foi deposto (Lavareda, 1989).

E a raiva? Enquanto o medo polariza e divide a sociedade entre “nós” e “eles”, os líderes políticos que o promovem ou o acentuam projetam a culpa nos supostos responsáveis pela “ameaça” e direcionam raiva e ódio como resposta ao “outro”. A desumanização pela representação caricatural facilita que as pessoas justifiquem e exercitem com pouco ou nenhum estresse a aversão aos demais grupos, como lembra Hannah Arendt.

Mas, certamente, a transposição do medo à raiva sempre foi e sempre será marcada pelas suscetibilidades e propensões individuais. Se o medo abre as portas para a mudança de preferências, a raiva gera a militância, capaz de ações violentas. É ela que mobiliza para a política os indivíduos com propensão autoritária (Marcus et al, 2019).

Predisposição genética, traumas passados e variação nas circunstâncias materiais e econômicas condicionam a resposta emocional. O caráter também cobra um preço. Aqueles que têm traços elevados de personalidade “dark” tendem a ser cativados por líderes de perfil semelhante —narcísicos, maquiavélicos e psicopatas (Nai, Maier e Vranic, 2021).

No Brasil, como enfatiza João Cezar de Castro Rocha, a “retórica do ódio” que explora e promove o ressentimento coletivo e a rejeição ao “sistema” inventando inimigos a todo momento é o instrumento indispensável para manter a base extremista em prontidão permanente. Nos Estados Unidos, Trump, além de demonizar adversários e investir contra migrantes, também explorou a raiva associada a agendas legítimas, como o aumento da desigualdade e a estagnação dos salários apesar do aumento da produtividade (Sandel, 2022).

Propagar o medo e agredir ora as minorias, ora o establishment, mesmo quando representam interesses de elites econômicas: é com essa fórmula que os novos populistas de todos os quadrantes se valem dos algoritmos para alimentar as redes sociais e conquistar apoio eleitoral.

Do ponto de vista das respostas fisiológicas corporais, na raiva, além de haver a presença de neurotransmissores comuns — adrenalina, noradrenalina e cortisol —, também ocorre a liberação de testosterona, que aumenta a agressividade. Isso explica a absoluta predominância de homens nos círculos mais exaltados online e offline das fileiras atuais da extrema direita.

Serge Tchakhotine, a principal referência no estudo da estratégia de comunicação que levou Hitler ao poder, destacou quão recorrente era a incitação do ódio e do emprego da violência nos seus discursos e no seu livro-guia, “Minha Luta”. Os judeus não eram seus únicos alvos. Hitler se referia à França, por exemplo, como “inimigo mortal”, o país dos “bastardos negroides”, cujo aniquilamento só seria alcançado “por uma guerra sangrenta, pelo gládio alemão”. Sua cruzada de limpeza étnica também abarcava ingleses, russos, “raças inferiores” e todos os que não fossem arianos. Nas suas palavras: “Temos de ser cruéis. Temos de recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis”.

Mussolini não ficava por menos. Sua retórica apelava constantemente à violência. “Espancar” era um dos seus termos favoritos. Referindo-se a um adversário, escreveu: “Esse homem não me agrada; mas antes que a náusea me abata, quero chicoteá-lo até sangrar”. O fascismo, como descrito por um biógrafo do Duce, trouxe “uma nova forma de brutalidade, uma determinação viril para matar e mutilar”.

Em “Os Engenheiros do Caos”, a melhor análise disponível do modus operandi do populismo de extrema direita mundial em sua escalada mais recente e exitosa, Giuliano da Empoli nos dá indiretamente, sob um ângulo bibliométrico, a confirmação do papel das emoções. No trabalho, não aparecem explicações circulares como as que recorrem ao conceito de polarização para explanar a emergência dessa nova força antissistema ou para descrever um mundo supostamente dividido por igual —tal conceito, aliás, simplesmente está ausente do livro.

Em compensação, embora não haja nenhum capítulo destinado à leitura específica do papel que os sentimentos desempenham nessa trajetória, os vocábulos raiva, cólera, fúria e ressentimento ocupam o primeiro lugar entre eles, referidos 56 vezes. Medo e ansiedade comparecem outras 16. O autor ainda recorre genericamente aos termos “sentimento” e “emoção” em 19 citações. Na média, praticamente uma menção aos fatores afetivos a cada duas páginas do livro.

As fake news que inundaram a campanha de 2018 —uma “eleição crítica” que mudaria o cenário político brasileiro— foram recheadas de emoções negativas. Dois em cada três eleitores receberam mensagens falsas. Em pesquisa realizada pela Ideia Big Data com 1.660 entrevistados, 67% concordaram com a frase: “Certamente recebi fake news no WhatsApp durante a campanha eleitoral em 2018”. Em outra questão, 14% reconheceram que haviam compartilhado fake news de conteúdo político.

Isso significa que, naquela eleição, mais de 98 milhões de eleitores receberam fake news no aplicativo e que cerca de 20 milhões assumiram tê-las compartilhado no decorrer da campanha.

O conteúdo do apoio a Jair Bolsonaro no aplicativo concentrava o maior volume de informações falsas. Uma pesquisa publicada pelo britânico The Guardian identificou, em uma amostra de 11.957 mensagens espalhadas em 296 grupos do WhatsApp durante as eleições de 2018, que quase 42% do conteúdo de direita era falso, enquanto isso ocorria com menos de 3% das mensagens de esquerda. Um exemplo que se tornou famoso foi o “kit gay”, distorção homofóbica de um material educacional elaborado exatamente para combater a homofobia.

Outro levantamento, publicado no New York Times, analisou 100 mil imagens políticas que circularam em 347 grupos no segundo turno daquela eleição e constatou que apenas 4 das 50 mais compartilhadas eram verdadeiras (8%).

O pior, entretanto, estava por vir. Conquistada a Presidência, a operação de populismo online permaneceria ativa, agora dentro do Palácio do Planalto e com financiamento público, conforme revelaram ex-apoiadores que se afastaram do governo. Batizado de gabinete do ódio, esse bunker ideológico foi incumbido de manter a propaganda digital com destaque para a destruição da reputação dos adversários.

Na disputa de 2022, uma pesquisa do Ipespe realizada na semana anterior ao segundo turno assinalava que os entrevistados que apontavam o WhatsApp e o Telegram como fontes mais relevantes de informação eleitoral estavam, proporcionalmente, duas vezes mais presentes entre os eleitores de Bolsonaro (18%) que entre os de Lula (9%).

É difícil imaginar quantas mensagens de WhatsApp com uso de inteligência artificial serão disparadas na próxima campanha, mas a ordem de grandeza, certamente, não será muito diferente do volume de mensagens de texto durante as últimas eleições dos EUA: foram 15 bilhões delas.

Para fechar o raciocínio, vale checarmos, na outra ponta, o quanto os sentimentos de medo e de raiva prevalecem no eleitorado que apoia partidos e líderes extremistas, com exemplos recentes do Brasil e de Portugal, países que foram objeto de pesquisas conduzidas pelo Ipespe. É importante ressaltar que respostas obtidas em surveys não captam toda a extensão dos estados emocionais, o que torna legítimo supor que o uso de técnicas que monitoram sinais psiconeurofisiológicos poderia identificar percentuais ainda maiores (Lavareda, 2011).

Em 2023, o Partido Socialista português foi fragilizado por uma operação do Ministério Público, que depois se mostraria impertinente e abusiva. O fato levou ao afastamento, por iniciativa própria, do primeiro-ministro Antonio Costa, que dirigia o país havia oito anos. Assim, as eleições legislativas de março deste ano atingiram em cheio a legenda, que perdeu cerca de 30% da votação anterior, e redesenharam a distribuição das cadeiras na Assembleia da República.

Em uma ascensão meteórica, o partido de extrema direita Chega mais que quadruplicou sua bancada. A legenda havia conquistado sua primeira cadeira em 2019 e avançou para 12 assentos no pleito seguinte, em 2022.

O sentimento predominante na população em relação à forma como Portugal estava sendo governado era de preocupação/medo (54% dos entrevistados). Indignação/raiva vinha a seguir (15%). Ainda em chave negativa, 9% declaravam sentir sobretudo tristeza. Sentimentos positivos como esperança (14%), alegria (2%) e orgulho (1%) eram amplamente minoritários. Mesmo parte substancial (45%) dos votantes do PS expressava sua ansiedade em relação aos rumos do governo, quase o mesmo número dos que manifestavam esperança (45%).

Os dados dos apoiadores do Chega corroboram a expectativa. Embora seja o principal disseminador do medo e da raiva, o partido não conseguiria atrair todo esse contingente. Afinal, a crítica historicamente acirrada aos socialistas pela oposição tradicional de centro-direita tradicional, comandada pelo PSD (Partido Social Democrata), serve de muro de contenção aos extremistas.

Dessa forma, os eleitores do Chega eram motivados por preocupação/medo praticamente na mesma proporção do total (52%). Porém, o que sobressaía entre eles era indignação/raiva, com 32%, um terço dos seus votantes, mais de duas vezes o percentual localizado no total da amostra (15%). Também chama atenção o registro da tristeza entre eles (13%), mais que o triplo do encontrado (4%) entre os que optavam pela coligação da direita tradicional, o que revela que o partido também se beneficiou da defecção de eleitores frustrados com os socialistas.

Em maio, passada a eleição, sob o novo governo liderado pelo PSD, encapuzados agrediram imigrantes argelinos na cidade do Porto. A polícia os relacionou a organizações de extrema direita como Reconquista, Ação Hostil e o grupo 1143, liderado pelo neonazista Mário Machado, iniciativas que têm ligações com o Chega.

O Relatório Anual de Segurança Interna sobre 2023 alertava para a atuação de grupos que promovem ideias racistas, misóginas e homofóbicas, que buscam atrair jovens, sobretudo na internet, e se infiltrar nas forças de segurança. Segundo as autoridades, o que se passa em Portugal é semelhante ao que ocorre em outros países. A estratégia é propagar o medo, estimular sentimentos anti-imigração, promover a percepção de insegurança permanente, negar a ciência, rejeitar a política e apelar para ações movidas pelo ódio.

Os dados do Brasil não são relativos à campanha eleitoral: datam de maio de 2024 e se referem aos sentimentos em relação ao governo Lula (PT), cruzados pela variável de sua aprovação. Preocupação/medo são citados em primeiro lugar, com 37%, mas praticamente empatados com as menções à esperança (34%). Indignação/raiva prevalecem em 10% dos casos, tristeza em 6%, e outras emoções positivas —alegria e orgulho— alcançam juntas 7%.

Entre os que aprovam o governo, quase dois terços apontaram a esperança como sentimento predominante (63%), cerca de um quinto indicaram preocupação/medo (18%) e 14% disseram sentir alegria ou orgulho. Entre os que o desaprovam, 57% revelaram preocupação/medo, 22% manifestaram raiva/indignação e 13%, tristeza. O percentual de raiva/indignação nesse grupo representa 9% do total do eleitorado. Um contingente de cerca de 14 milhões de pessoas têm sentimentos de aversão ao presidente e a seu governo, reforçados ininterruptamente pelas fake news que circulam nas suas redes.

A identificação do tamanho dessa massa emocionalmente radicalizada nos ajuda a entender, de um lado, a facilidade na arregimentação das centenas de milhares de participantes das grandes manifestações de rua convocadas pelo ex-presidente Bolsonaro e, de outro, a disponibilidade de “haters” para a disseminação permanente de fake news na internet. Por isso, a “polarização” nunca arrefece. Diferentemente do passado, a campanha eleitoral da extrema direita nunca termina.

Um exemplo nítido ocorreu durante as enchentes no Rio Grande do Sul em maio. Aproveitando-se do contexto, a extrema direita fez uma intensa propagação nas redes de narrativas que buscavam desacreditar o apoio às vítimas pelo governo federal, negar a relação das enchentes com as mudanças climáticas, relacionar a tragédia a pautas morais (por exemplo, ao show de Madonna no Rio de Janeiro) e inflar o papel de atores do seu campo na resposta à crise, por meio de uma atuação multiplataformas que incluiu anúncios pagos do Meta Ads para amplificar seus efeitos.

Isso foi documentado pelo NetLab da UFRJ. A Escola de Comunicação Digital da FGV Rio também se debruçou sobre o tema, chegando a conclusões semelhantes. Neste levantamento, o conteúdo de maior repercussão foi um vídeo com a legenda “O povo está acordando”, que desafiava apurações da imprensa sobre a circulação de fake news na tragédia.

Citamos que medo e raiva costumam ter fatores comuns de deflagração, mas são diferentes nas suas consequências. Embora ambos desempenhem um papel maléfico, a raiva parece ser o principal reator da usina de desinformação.

Professores de uma universidade chinesa publicaram em 2022 os resultados de uma ampla pesquisa sobre a velocidade da disseminação das fake news associada a diferentes estímulos emocionais. Nela, lançaram mão de uma considerável gama de dados —chineses (coletados no Weibo) e britânicos e americanos (no Twitter)— sobre tópicos como a eleição norte-americana de 2016 e a pandemia de Covid-19 (Chuai e Zhao, 2022).

Utilizando modelos de regressão logística e linear, chegaram à conclusão que —embora, no geral, as notícias falsas sejam estatisticamente mais “contagiosas” que as reais, o que significa que se espalham mais rápido, permanecem mais tempo em circulação e são mais retransmitidas— não é qualquer fake news que se torna mais viral que uma notícia verídica.

O resultado os forçou a examinar mais detidamente o componente emocional, os levando à conclusão que a raiva é a principal chave explicativa da viralização. Quanto mais aumenta seu teor, mais cresce o potencial de contágio das fake news, em uma proporção seis vezes maior que outros estímulos emocionais. Os autores sugeriram, para enfrentar o problema, que essas mensagens sejam devidamente rotuladas —não apenas como fake news, mas como “angry news”.

Embora o inquérito das fake news do STF tenha trazido à tona parte significativa do sistema de disseminação de notícias falsas, o TSE ter publicado uma resolução visando prevenir a desinformação deliberada durante as campanhas eleitorais e 77% da opinião pública ter se mostrado favorável à regulação das redes e do WhatsApp para evitar fake news, não se consegue avançar, no Parlamento brasileiro, uma legislação que as combata permanentemente. Omissão semelhante se verifica no Congresso norte-americano.

A convergência dos interesses econômicos das plataformas, cujos algoritmos privilegiam as fake news, e das forças de extrema direita torna muito difícil caminhar nessa direção.

No Brasil e nos EUA, onde a correlação de forças não é tão favorável ao campo democrático quanto na União Europeia, a resistência das forças antissistema às tentativas de regulação será muito mais poderosa. Elas não podem abrir mão das fake news para confrontar a imprensa tradicional e ressignificar incessantemente a realidade por meio de narrativas carregadas de sentimentos de medo e ódio.

Sem isso, a ecoesfera radical perderia intensidade e dimensão. Na ausência desse combustível emocional, provavelmente definharia.

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Este texto se baseia em palestra realizada no painel “Desinformação, propaganda eleitoral e integridade nas eleições” do XII Fórum de Lisboa 2024.